Como muitos, descobri que a medicina baseada em evidências está ligada a competências estatísticas que nunca me foram ensinadas na faculdade de veterinária ou durante minha residência. E a procura incansável de tomar as melhores decisões baseado em tanta novidade que encontramos na internet, livros e periódicos, mas afinal, é possível?
Em 1996, Sacket introduziu o termo medicina baseada em evidências (MBE), definindo-a como “o uso consciente, explícito e criterioso das melhores evidências atuais na tomada de decisões sobre o cuidado de pacientes individuais". A prática da MBE busca integrar a expertise clínica com a melhor evidência científica disponível, obtida por meio de pesquisas sistemáticas.
A evidência científica relevante engloba tanto as ciências básicas da medicina quanto, mais significativamente, a pesquisa clínica centrada no paciente. Já o julgamento clínico se refere à habilidade e experiência adquiridas ao longo da prática, que permitem aos veterinários e demais profissionais de saúde desenvolver abordagens de diagnóstico e tratamento mais eficazes e eficientes.Embora faltem estudos na medicina veterinária, há ampla evidência da medicina humana documentando melhores resultados e menos erros associados à prática de MBE e não há razão para acreditar que o mesmo não seria verdade para a medicina veterinária.
Nos últimos 25 anos, a definição de Sacket foi adaptada de diferentes formas, mas sempre preservando os três pilares essenciais da MBE:
Mas afinal, como fazemos isso na prática?
1️⃣ Formule uma pergunta clínica bem definida
Use o formato PICO (Paciente/Problema, Intervenção, Comparação, e Resultado) para estruturar questões específicas, como:
"Em cães com otite externa, o uso de antibióticos tópicos é mais eficaz do que o tratamento com produtos à base de corticoides para reduzir sinais clínicos?"
2️⃣ Busque evidências de qualidade
Consulte bases de dados confiáveis, como PubMed, CAB Abstracts, ou repositórios especializados em medicina veterinária.
Dê preferência a estudos clínicos controlados, revisões sistemáticas ou meta-análises.
3️⃣ Avalie criticamente a evidência
Analise a metodologia dos estudos: eles têm tamanho de amostra adequado, controle de viés e relevância clínica?
Classifique a qualidade das evidências (ex.: pirâmide da evidência).
4️⃣ Aplique as evidências na prática clínica
Combine os dados da pesquisa com sua experiência clínica.
Considere fatores como espécie, idade, comorbidades e as condições econômicas e sociais do tutor.
5️⃣ Monitore e ajuste o plano terapêutico
Avalie continuamente a resposta do paciente ao tratamento.
Esteja preparado para modificar a abordagem com base nos resultados ou em novas evidências.
6️⃣ Incorpore MBE em sua rotina e equipe
Compartilhe conhecimentos em reuniões clínicas ou discussões de casos.
Participe de cursos e mantenha-se atualizado com a literatura científica.
Praticar MBE é um processo contínuo que melhora a qualidade do atendimento, promove diagnósticos e tratamentos mais eficazes, e contribui para a confiança do tutor na prática veterinária.
Apesar de sua importância, a implementação da MBE na prática veterinária enfrenta vários desafios:
Falta de Compreensão: Muitos profissionais ainda não entendem sua importância, o que limita sua adoção na prática clínica.
Qualidade da Pesquisa: A literatura veterinária frequentemente não atende aos padrões de evidência necessários. Estudos recentes sobre a eficácia de tratamentos, como o tramadol e a dieta vegana para cães, apresentaram classificações de evidência "baixa" ou "muito baixa", indicando que as conclusões podem ser imprecisas .
Educação Insuficiente: Há uma necessidade de maior atenção ao ensino da MBE nas universidades, para que futuros veterinários possam aplicar esses princípios em suas práticas.
Resistência à Mudança: Muitos clínicos têm relutância em alterar estilos de prática que foram historicamente utilizados, mesmo quando novas evidências estão disponíveis.
Ferramentas de Ponto de Cuidado (POC): O desenvolvimento de ferramentas que utilizam princípios baseados em evidências para criar diretrizes clínicas pode ajudar os veterinários a tomar decisões informadas rapidamente. Exemplos incluem VetBytes e VetCompanion, que oferecem recomendações baseadas nas melhores pesquisas disponíveis .
Indagações sobre a Utilização da MBE na Prática Veterinária
Como podemos aumentar a conscientização sobre a importância da Prática baseada em evidências entre os profissionais veterinários? A educação contínua e workshops podem ser uma solução.
Quais estratégias podem ser implementadas para melhorar a qualidade da pesquisa veterinária? Incentivar colaborações entre universidades e clínicas para realizar estudos mais robustos pode ser um caminho.
De que maneira as ferramentas de POC podem ser integradas no dia a dia dos veterinários? Avaliar a eficácia dessas ferramentas e promover seu uso em clínicas pode facilitar a adoção da MBE.
Como podemos superar a resistência à mudança entre os veterinários? Criar um ambiente que valorize a atualização constante e a discussão sobre novas evidências pode ajudar a mudar a mentalidade.
Qual é o papel das diretrizes clínicas baseadas em evidências na prática veterinária? Elas podem servir como referência para determinar padrões de cuidado e ajudar a proteger os profissionais em casos de litígios.
Referências: Block G. Evidence-based veterinary medicine-potential, practice, and pitfalls. J Vet Intern Med. 2024 Nov 10. doi: 10.1111/jvim.17239. Epub ahead of print. PMID: 39523636.
Artigos que geraram insight clínicos e que valem leitura:
1. Gut feelings: gastrointestinal signs in French bulldogs undergoing spinal surgery - Explora fatores como estresse, manejo anestésico e complicações associadas e aborda estratégias práticas para identificação precoce e controle dessas condições, impactando diretamente na recuperação dos pacientes.
Link: https://www.frontiersin.org/journals/veterinary-science/articles/10.3389/fvets.2024.1460092/full
2.Encefalopatias hemorrágicas e mielopatias em cães e gatos: É um DESAFIO na veterinária, ainda falta um sistema de classificação etiológico robusto, semelhante ao que existe na medicina humana para hemorragias intracerebrais e hematomielia. Inspirados nesses avanços, autores propõem um modelo para classificar encefalopatias e mielopatias hemorrágicas em pets, baseado em uma revisão ampla da literatura científica. Link: https://www.frontiersin.org/journals/veterinary-science/articles/10.3389/fvets.2024.1460568/full
Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana: CFMV reforça a importância do uso responsável de antimicrobianos
Na Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana (WAAW 2024 – sigla em inglês), que ocorre anualmente de 18 a 24 de novembro, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) reforça a necessidade de práticas responsáveis no uso de antimicrobianos e alerta para os riscos das infecções resistentes a medicamentos.
Os antimicrobianos são medicamentos utilizados no tratamento de infecções, especialmente as de origem bacteriana, e são importantes na manutenção da saúde humana e animal, além de contribuírem para o bem-estar dos animais. No entanto, o uso inadequado ou excessivo dessas substâncias tem levado ao aumento da resistência antimicrobiana, colocando em risco a eficácia dos tratamentos.
A resistência antimicrobiana (RAM) ocorre quando os microrganismos – bactérias, fungos, vírus e parasitas – são expostos e se tornam resistentes a medicamentos antimicrobianos, como antibióticos, antifúngicos, antivirais, antimaláricos e anti-helmínticos. O resultado é a ineficácia da medicação, aumentando os riscos de agravamento e disseminação de doenças.
Os veterinários têm um papel único e importante em ajudar a proteger a eficácia antimicrobiana. A AVMA apoia os veterinários nessa função com materiais educacionais e políticas delineando princípios para administração antimicrobiana e uso criterioso . Esses recursos podem ajudar você a proteger a eficácia antimicrobiana e proteger a saúde animal e pública.
Acesse os materiais de apoio muito bom aqui.
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