Mulheres na Veterinária: Estatísticas, Conquistas e Barreiras
A medicina veterinária tem sido majoritariamente feminina, mas pesquisas sugerem que preconceito inerente, recursos desiguais e a "penalidade da maternidade" contribuem para a desigualdade.
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A desigualdade de gênero na Medicina Veterinária ocorre desde a consolidação da profissão no Brasil, em 1917, quando a primeira turma formada era exclusivamente masculina na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária. A primeira mulher diplomada na área viria mais de 10 anos depois a Dra. Nair Eugênia Lobo, em 1929.
Com o tempo, a presença feminina cresceu significativamente. Em 2024, um levantamento apontou que 55% dos médicos veterinários no Brasil eram mulheres. No entanto, dados de Minas Gerais revelam que 45,5% delas já sofreram discriminação, apenas 23,3% alcançaram cargos de chefia, 41% perderam oportunidades de trabalho, e 73,5% afirmam enfrentar mais desafios do que os homens na profissão.
Atualmente, as mulheres ainda são frequentemente consideradas menos capacitadas para atuar com grandes animais, como bovinos e equinos, ou para ocupar cargos de liderança nos Conselhos Regionais e Federais de Medicina Veterinária (CRMV/CFMV). Prova disso é que somente em 2003, após 34 anos da criação desses Conselhos, uma mulher assumiu a Presidência no Distrito Federal. Marcado como um momento histórico para a Medicina Veterinária, a solenidade teve destaque por ser a primeira vez que uma mulher presidirá o CFMV de classe. A médica-veterinária Ana Elisa Fernandes de Souza Almeida assumiu recentemente a gestão do triênio 2023 – 2026.
No entanto, os desafios quanto à representatividade feminina em órgãos públicos não são exclusividade do Brasil, mas refletem uma estrutura social ainda marcada pelo machismo em nível global. Um exemplo disso pode ser observado no Reino Unido, onde 57,1% dos profissionais cadastrados no serviço de cirurgia veterinária são mulheres, enquanto os homens representam 42,9%. Apesar dessa maioria numérica, apenas 6,5% das cirurgiãs veterinárias ocupam cargos de liderança, de acordo com pesquisas do Royal College of Veterinary Surgeons.
Mulheres já são maioria
A medicina veterinária tem sido predominantemente feminina nos EUA desde 2009. Essa tendência continua, com 87,3% dos atuais candidatos a escolas de veterinária se identificando como mulheres, assim como 88% dos técnicos veterinários.A nível nacional, a realidade não é diferente. Segundo o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), as mulheres já representam mais de 60% dos profissionais veterinários no Brasil, e esse número segue em ascensão (CFMV, 2025).
A falta de liderança feminina e seu impacto
De 1976 a 1995, o número de homens se candidatando a faculdades veterinárias dos EUA diminuiu em mais da metade, enquanto o número de candidatas quase dobrou. Mais de 80% da turma de 2025 é feminina, mas a liderança das escolas veterinárias — incluindo 75% dos reitores de escolas veterinárias — se identifica amplamente como homens.
A predominância masculina em cargos de liderança em todos os níveis pode dificultar a trajetória acadêmica de estudantes mulheres. Llorens et al. (2021) destacam que posições de alto escalão, com poder de contratação, promoção, aprovação de financiamentos e definição de políticas, ainda são majoritariamente ocupadas por homens, cujos preconceitos – conscientes ou não – podem representar um obstáculo significativo para o avanço das mulheres na academia.
Temos menos oportunidades
No meio acadêmico, as médicas veterinárias enfrentam menos oportunidades para progredir como pesquisadoras principais e recebem menos convites para colaborações científicas em comparação aos seus colegas homens.
Morello et al. (2023) sugerem que o preconceito de gênero sistêmico, presente tanto em instituições acadêmicas quanto na prática privada, contribui para a desvalorização do trabalho feminino. Esse cenário resulta na limitação do acesso a recursos e oportunidades iguais para as mulheres, além de impactar negativamente o status geral da profissão.
Disparidade salarial
Nos Estados Unidos, a diferença salarial inicial entre médicos veterinários recém-formados é relativamente pequena, com as mulheres ganhando, em média, apenas 3% a menos do que os homens. No entanto, essa disparidade aumenta significativamente ao longo da carreira. Em consultórios particulares, onde a remuneração geralmente é baseada na produção, veterinárias especializadas recebem de 25% a 29% menos do que seus colegas homens. Já na academia, onde os salários são fixos, a diferença varia entre 8% e 10%.
Ao analisar o quartil superior dos profissionais mais bem remunerados, observa-se uma diferença ainda mais expressiva: as médicas veterinárias ganham, em média, US$ 100.000 a menos do que os homens que desempenham as mesmas funções.
No Brasil, há indicações de disparidades salariais entre profissionais do sexo masculino e feminino. Estudos apontam que a diferença salarial entre homens e mulheres pode atingir até 53%, com uma média de 43% nas profissões da área da saúde (AMB, 2023).
Penalidade da maternidade
Embora as mulheres representem metade da força de trabalho nos Estados Unidos, e cerca de 71% das mães com filhos em casa estejam empregadas, elas ganham apenas 58 centavos para cada dólar pago aos pais devido à chamada "penalidade da maternidade".
Muitas mães deixam o mercado de trabalho nos melhores anos para desenvolver suas carreiras para cuidar dos filhos e, ao retornarem, seus ganhos nunca se igualam aos de seus colegas homens.
A luta solitária
Apesar do crescente número de mulheres na Medicina Veterinária, as desigualdades de gênero ainda são evidentes e impactam diretamente a nossa trajetória profissional . A representação feminina é significativa, com mulheres dominando o cenário educacional e profissional na maioria dos países. No entanto, a falta de liderança feminina, a escassez de oportunidades de crescimento, a disparidade salarial e os preconceitos presentes em diferentes esferas da profissão revelam as barreiras estruturais que precisam ser superadas.
É necessário que a profissão avance em termos de equidade, proporcionando maior visibilidade e oportunidades para as mulheres, especialmente em posições de liderança. A busca por igualdade de gênero na Medicina Veterinária exige um esforço contínuo de conscientização sobre a importância da representatividade e do reconhecimento do trabalho das mulheres, em todos os níveis da profissão. E necessita de união entre nós colegas.
Além disso, políticas que combatam a disparidade salarial, garantam o acesso igualitário a cargos de liderança e ofereçam condições para que as mulheres não sejam penalizadas pela maternidade são essenciais para garantir que a Medicina Veterinária se torne mais inclusiva e justa. Somente com um comprometimento coletivo de todos os setores da profissão, incluindo órgãos reguladores, instituições de ensino e práticas privadas, será possível alcançar uma verdadeira transformação no cenário de igualdade de gênero na Medicina Veterinária.
Um feliz dia das mulheres!
Para quem luta todos os dias! E como podemos nos ajudar? Primeiro trabalhando nossos pré conceitos patriarcais. e Seguindo algumas dicas:
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Referências:
GOUHIE, C. A.; BORGES, A. S.; STRACK, A. L. F. D.; SANTOS, B. L.; LUCINDO, I. A.; GOMES, W. R. V. O papel e a proteção da mulher na medicina veterinária. Revista Extensão & Cidadania, v. 12, n. 21, p. 210-218, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.22481/recuesb.v12i21.14753.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO (CRMV-SP). A importância das mulheres na Medicina Veterinária e na Zootecnia. Podcast. Disponível em: https://crmvsp.gov.br/pod_cast/a-importancia-das-mulheres-na-medicina-veterinaria-e-na-zootecnia/.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (CRMV-RJ). O futuro é delas! O crescimento da presença feminina na Medicina Veterinária e Zootecnia. Disponível em: https://www.crmvrj.org.br/2025/03/08/o-futuro-e-delas-o-crescimento-da-presenca-feminina-na-medicina-veterinaria-e-zootecnia/.
ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA (AMB). Demografia Médica 2023. Disponível em: https://amb.org.br/wp-content/uploads/2023/02/DemografiaMedica2023_8fev-1.pdf. Acesso em: 8 mar. 2025.
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Study finds shortage of women in leadership positions (DVM360). Disponível em: https://www.dvm360.com/view/study-finds-shortage-of-women-in-leadership-positions.
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