O medicamento do MOMENTO - inibidores de SGLT2 na medicina veterinária
Os inibidores de SGLT2 são uma nova classe de medicamentos na medicina veterinária que são eficazes para o tratamento do diabetes melitos, e gera discussão para enfoque para longetividade.
ATENÇÃO - As opiniões expressas e os tópicos discutidos em qualquer coluna ou artigo têm como objetivo informar, educar ou entreter e não representam uma posição oficial de nenhum orgão ou instituição.
Os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (SGLT2) são uma nova classe de medicamentos introduzidos na medicina humana para auxiliar no controle glicêmico de pacientes diabéticos, com o primeiro fármaco aprovado pelo FDA em 2013. Logo ficou evidente nos ensaios clínicos que esses medicamentos oferecem benefícios além do controle glicêmico. Recentemente, têm ganhado atenção na medicina veterinária, especialmente em felinos.
Mecanismo de Ação dos Inibidores de SGLT2
Os inibidores de SGLT2 bloqueiam o cotransportador de sódio-glicose tipo 2, localizado principalmente nos túbulos proximais dos rins. Em condições normais, o SGLT2 é responsável pela reabsorção de aproximadamente 90% da glicose filtrada pelos glomérulos renais. Ao inibir essa proteína transportadora, os fármacos promovem a glicosúria, reduzindo os níveis de glicose sanguínea independentemente da secreção de insulina. Um artigo com ampla discussão sobre os mecanismos de ação pode ser lido aqui.
Figura 1- Diagrama esquemático mostrando mecanismos convencionais de ação dos inibidores de SGLT2. SGLT, cotransportador de sódio-glicose.
Embora amplamente prescritos na medicina humana, os inibidores de SGLT2 ainda estão em fase de investigação na medicina veterinária. Algumas aplicações emergentes incluem:
Diabetes Mellitus em Cães e Gatos
Estudos iniciais sugerem que os inibidores de SGLT2 podem auxiliar no controle glicêmico de pacientes com diabetes mellitus felino. No entanto, seu uso em cães diabéticos ainda é limitado. Esses fármacos reduzem a reabsorção de glicose nos túbulos proximais dos rins, promovendo a eliminação de glicose na urina (glicosúria). Isso reduz os níveis de glicose no sangue independentemente da ação da insulina. No entanto, essa glicosúria pode apresentar desafios clínicos, conforme discutido mais adiante.
Doença Renal Crônica (DRC)
Assim como em humanos, há um interesse crescente no papel desses medicamentos na proteção renal de pacientes com DRC, particularmente em gatos. Além de reduzir a glicose, os inibidores de SGLT2 diminuem a reabsorção de sódio, reduzindo a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), o que leva a uma redução na hiperfiltração glomerular – um fator-chave na progressão da DRC. A redução da carga de sódio no túbulo distal ativa mecanismos que resultam na vasoconstrição da arteríola aferente, diminuindo a pressão intraglomerular.
Doenças Cardiovasculares
Estudos sugerem que esses fármacos podem ter efeitos benéficos na insuficiência cardíaca congestiva devido às suas propriedades natriuréticas, que promovem a redução da aldosterona a longo prazo, além de seus efeitos favoráveis na pressão arterial e na função endotelial. Isso reduz o volume circulante e, consequentemente, a pré-carga e a pós-carga cardíacas. Além disso, esses medicamentos podem reduzir a inflamação cardiovascular. Em modelos animais e humanos, os inibidores de SGLT2 demonstraram redução dos níveis plasmáticos de aldosterona em longo prazo, o que pode ajudar a evitar efeitos deletérios como retenção de sódio e fibrose cardiovascular.
Doenças Neurológicas
Pesquisas recentes sugerem que os inibidores de SGLT2 possam ter efeitos neuroprotetores, reduzindo a inflamação neuronal e promovendo a homeostase metabólica no sistema nervoso central. Estudos preliminares indicam que esses fármacos podem ter potencial terapêutico para doenças neurodegenerativas e distúrbios metabólicos que afetam o cérebro, como a encefalopatia diabética. Além disso, o cérebro também sofre com o impacto da hiperglicemia e da resistência à insulina, contribuindo para processos inflamatórios e neurodegenerativos. Os inibidores de SGLT2 podem ajudar ao reduzir a inflamação neuronal, melhorar a homeostase metabólica no sistema nervoso central e aumentar a disponibilidade de corpos cetônicos, que podem ser uma fonte de energia alternativa para o cérebro em condições de resistência à insulina.
Produtos Comerciais Disponíveis
Atualmente, há poucos produtos veterinários específicos contendo inibidores de SGLT2 (ainda indisponíveis no Brasil), mas algumas formulações estão sendo desenvolvidas para atender à crescente demanda clínica:
Bexacat® (Bexagliflozina): Primeiro inibidor de SGLT2 aprovado para uso veterinário, indicado para o tratamento do diabetes mellitus em gatos. Sua formulação oral facilita a administração e pode representar uma alternativa ao tratamento convencional. Estudos clínicos demonstraram que a bexagliflozina pode reduzir a necessidade de insulina exógena em gatos com diabetes mellitus.
Outros produtos em desenvolvimento: Empresas farmacêuticas veterinárias estão conduzindo pesquisas para formular opções seguras e eficazes para cães e gatos, especialmente no tratamento da doença renal crônica e insuficiência cardíaca.
Além desses, alguns fármacos humanos são utilizados off-label na medicina veterinária:
Empagliflozina (Jardiance®): Estudada para diabetes felino e possíveis efeitos cardioprotetores.
Canagliflozina (Invokana®): Investigada por seu potencial nefroprotetor.
Dapagliflozina (Forxiga®): Avaliada para o manejo da insuficiência cardíaca e DRC.
Desafios e Considerações
Apesar dos potenciais benefícios, alguns desafios limitam o uso clínico dos inibidores de SGLT2 na medicina veterinária:
Falta de Estudos Completos: A maioria dos dados provém de estudos em humanos, com poucos ensaios clínicos em animais de companhia.
Risco de Cetoacidose Euglicêmica: Esse efeito adverso raro, mas potencialmente grave, foi observado em humanos, cães e gato. Atualmente, a recomendação é que a prescrição e acompanhamento seja realizada por um médico veterinário especialista, e exame de glicemia e corpos cetônicos séricos devem ser incluidos na rotina diária destes pacientes.
Regulação e Aprovação: Atualmente, os inibidores de SGLT2 não possuem aprovação específica para uso veterinário no Brasil, limitando seu emprego off-label.
Perspectivas Futuras
O crescente interesse nos inibidores de SGLT2 na medicina veterinária sugere que mais estudos clínicos serão conduzidos nos próximos anos. Algumas áreas de pesquisa incluem:
Determinação da Dose e Segurança em Espécies Específicas: Estudos farmacocinéticos e farmacodinâmicos são necessários para estabelecer protocolos terapêuticos eficazes.
Uso Combinado com Outras Terapias: Avaliação da segurança e eficácia da combinação de inibidores de SGLT2 com outros fármacos utilizados no tratamento de doenças endócrinas e renais.
Expansão para Outras Espécies: Investigação do potencial uso desses medicamentos em animais de produção e equinos.
Os inibidores de SGLT2 representam uma classe promissora de fármacos que pode beneficiar pacientes veterinários com doenças endócrinas, renais, cardíacas e neurológicas. No entanto, mais estudos são necessários para confirmar sua segurança, eficácia e posologia adequada em espécies veterinárias. O avanço das pesquisas nessa área poderá expandir as opções terapêuticas disponíveis para médicos veterinários no manejo de doenças metabólicas, crônicas e neurológicas em animais de companhia.
REFERÊNCIAS RECOMENDADAS:
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Meu gato está fazendo uso, com acompanhamento da Viviane De Marco, está evoluindo muito bem e dando tudo certo ❤️