Síndrome do Forame Jugular: Déficits Neurológicos, gástricos e respiratórios
Uma condição rara e agora descrita em cães
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Figura 1 | Atrofia unilateral da língua à esquerda em dois cães (Caso 10 [1A] e Caso 14 [1B]) com síndrome do forame jugular (JFS), ambos diagnosticados com uma massa extra-axial em placa no ângulo pontocerebelar esquerdo (suspeita de meningioma) - Madden et al, 2025.
A Síndrome do Forame Jugular (JFS) em cães é a disfunção combinada dos nervos cranianos IX (glossofaríngeo), X (vago) e XI (acessório), causada por lesões que envolvem o forame jugular (FJ). Esses nervos compartilham esse trajeto para sair do crânio, e a síndrome pode causar disfagia, disfonia, paralisia laríngea, atrofia de língua e fraqueza dos músculos cervicais. Embora bem documentada em humanos, ainda é pouco relatada na medicina veterinária. Um estudo recente (2025) trouxe algumas informações importantes, que discutimos hoje.
Forame Jugular
O forame jugular está localizado entre o osso occipital e a parte petrosa do osso temporal. Responde às respectivas incisuras jugulares e permite a passagem dos nervos cranianos IX (nervo glossofaríngeo), X (nervo vago) e XI (nervo acessório).
IMAIOS. Forame jugular – vet-Anatomy. Disponível em: https://www.imaios.com/br/vet-anatomy/estruturas-anatomicas/forame-jugular-11140862856. Acesso em: 12 maio 2025.
O estudo: levantamento retrospectivo sobre JFS em cães
Este estudo multicêntrico retrospectivo avaliou 14 cães entre 2016 e 2024 com diagnóstico confirmado de JFS por tomografia computadorizada (TC) e/ou ressonância magnética (RM).
Perfil dos pacientes
Idade mediana: 9,9 anos
Raças variadas (Staffordshire Bull Terrier, Westie, Boxer, entre outros)
Apresentavam sinais clínicos crônicos, com duração mediana de 135 dias
Quadro clínico: sinais discretos, mas significativos
Os sinais clínicos mais comuns não eram, inicialmente, sugestivos de doença neurológica:
Tosse (7/14)
Náusea, emese ou mímica de vômito (6/14)
Inclinação de cabeça (5/14)
Estridor laríngeo (4/14)
Também foram observados: regurgitação, ataxia e espirros
Importante destacar que alguns cães apresentavam exame neurológico normal, apesar da presença de lesões evidentes no forame jugular. Ou seja, a ausência de sinais neurológicos não exclui JFS.
Exame neurológico: alterações frequentes e variadas
Em 11 dos 14 cães, o exame neurológico foi anormal. Os principais achados incluíram:
Déficits nos pares cranianos IX, X e XI (10/11)
Paralisia laríngea unilateral (5 casos confirmados por exame de via aérea)
Atrofia unilateral da língua (4 casos, indicando envolvimento do nervo hipoglosso, XII)
Inclinação de cabeça (7/11)
Déficits de reação postural (5/11)
A síndrome de Collet-Sicard, descrita pela primeira vez em cães neste estudo, combina a disfunção de 4 nervos: Nervos IX (glossofaríngeo), X (vago), XI (acessório) e XII (hipoglosso), e geralmente são causados por lesões infiltrativas que se estendem do forame jugular ao canal hipoglosso em humanos.
Diagnóstico por imagem: Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética se complementam
Dos 14 cães:
4 realizaram apenas RM
6 realizaram apenas TC
4 realizaram ambos
Achados de imagem:
Lesões intracranianas (10/14): em sua maioria meningiomas extra-axiais, padrão "plaque-like" - Plaque-like” descreve tumores que crescem de forma achatada e aderida à dura-máter, espalhando-se ao longo das superfícies e forames em vez de formar uma massa arredondada - mais infiltrativas normalmente.
Lesões extracranianas (4/14): carcinoma de tireoide, paraganglioma e colesteatoma
Muitas lesões apresentavam extensão do intracraniano para o extracraniano
A tomografia foi particularmente útil para identificar alterações ósseas (ex: alargamento do forame jugular, fissura timpano-occipital, canal hipoglosso) e atrofia muscular. Já a ressonância teve melhor desempenho na avaliação do parênquima encefálico e da extensão meníngea das lesões.
Diagnósticos definitivos
Intracranianos
10 casos com diagnóstico radiológico de meningioma
1 meningioma confirmado histologicamente
Lesões extra-axiais, bem delimitadas, com forte captação de contraste
Extracranianos
2 carcinomas de tireoide (1 confirmado por histopatologia, 1 por citologia)
1 paraganglioma suspeito
1 caso inédito de abscesso para-aural com colesteatoma e otite média/interna
Tratamento e prognóstico
Modalidades terapêuticas utilizadas:
Corticoterapia paliativa
Radioterapia em três cães
Quimioterapia (hidroxiureia) em um cão
Cirurgias em lesões extracranianas (incluindo ressecção de carcinoma de tireoide e ablação total do conduto auditivo)
Sobrevida mediana: 218 dias (variando entre 16 e 477 dias).
Mesmo com tratamento, alguns sinais clínicos persistiram, como ânsia e estridor, sugerindo lesões irreversíveis ou de progressão lenta.
Implicações clínicas
Cães idosos com tosse crônica, disfonia, estridor ou ânsia de vômito devem levantar a suspeita de JFS, mesmo que o exame neurológico esteja aparentemente normal.
A palpação cervical profunda pode revelar massas ventrais importantes.
A imagem avançada da cabeça e cervical (preferencialmente RM, mas TC também é útil) deve ser incluída na investigação desses casos.
A maioria dos casos é de origem neoplásica (meningiomas intracranianos ou carcinomas de tireoide), mas diagnósticos inflamatórios e infecciosos também são possíveis.
Conclusão
A Síndrome do Forame Jugular é uma afecção subdiagnosticada na clínica de pequenos animais. O reconhecimento precoce dos sinais clínicos e a realização de exames de imagem adequados podem melhorar a abordagem diagnóstica, prognóstica e terapêutica desses pacientes.
Leia o artigo: Madden M, Liatis T, Llanos C, et al. Jugular Foramen Syndrome: Concurrent Neurological Deficits, Advanced Imaging Findings, Underlying Diagnoses, and Outcomes in 14 Dogs (2016–2024). J Vet Intern Med. 2025;